Segundo especialistas, Portugal está numa boa posição para usar a sua presidência para definir uma abordagem pragmática da UE em relação à China, já que reconhece a complexidade da relação.
Evocando a chamada “diplomacia da máscara”, que a China promoveu face à pandemia provocada pelo novo coronavírus e que se “traduziu numa ajuda intencional de equipamento de saúde, pessoal médico e apoio à investigação”, o relatório aponta que ela correspondeu a mais uma forma de Pequim “explorar as diferenças entre os Estados-membros da UE”.
Essa ajuda teve influência na opinião dos cidadãos sobre a China, com estudos a indicarem que em países como Itália ou a Bulgária, que receberam “quantias bastante significativas de ajuda chinesa”, apenas cerca de um terço dos respetivos cidadãos afirma que a sua percepção sobre a China piorou durante a crise, enquanto na Dinamarca ou em França, que receberam “muito menos” ajuda, 62% dos cidadãos demonstraram ter uma opinião mais negativa.
No caso de Portugal, o país “recebeu níveis comparativamente elevados de apoio médico de Pequim”, estando “a meio da tabela” dos 27, “mas 46% dos portugueses afirmam que a sua percepção da China piorou durante o crise”, “o que parece sugerir que os portugueses estão bastante cientes de que as doações da China não são totalmente altruístas”.
“Do ponto de vista do governo português, não ter um relacionamento com este interlocutor — que é afinal um país com 1,4 mil milhões de cidadãos, a segunda maior economia do mundo e com uma capacidade crescente de projecção de poder global – equivaleria a ignorar um dos principais elementos da realidade estratégica da actualidade”.
A posição consta de um relatório, a que a Lusa teve acesso, do ‘think tank’ independente Conselho Europeu para as Relações Externas (ECFR), que analisa como a presidência portuguesa pode impulsionar uma maior cooperação na UE para consolidar uma liderança global, tendo em atenção as opiniões dos europeus.
Portugal tem “uma das ligações mais antigas de qualquer país europeu com a China” e, “com a exceção do Estado Novo de Salazar, as relações entre os dois países sempre foram estáveis e frutíferas”.
Todavia, a actual relação “é profundamente assimétrica”: “as exportações de Portugal para a China têm um valor inferior a mil milhões de euros por ano, enquanto o valor das importações da China ultrapassa os 2,2 mil milhões de euros”.
Por outro lado, “o investimento chinês em Portugal intensificou-se após a crise financeira de 2008” e traduz-se hoje em “interesses significativos” nos setores da energia, banca, seguros, turismo, portuário e na saúde.
Neste contexto, a abordagem do governo português à relação com a China, e depois de “alguns os críticos” lhe terem chamado o “amigo especial da China na UE”, tem sido a de alertar “contra tendências proteccionistas na Europa” e de frisar que “até agora, a China tem mostrado absoluto respeito pelos quadros jurídicos português e da UE”.
“Na perspectiva de Lisboa, a UE deve reforçar pragmaticamente o seu diálogo estratégico com a China, abordando a assimetria nas suas relações, ao mesmo tempo que reconhece que Pequim é um parceiro indispensável num mundo de interdependência global e múltiplos desafios”.
Na UE, sustenta o estudo, “só aumentando a cooperação em áreas de interesse mútuo é que os Estados-membros podem criar um relacionamento mais equilibrado […] e evitar que Pequim aproveite a crise da covid-19 para explorar as diferenças entre eles”.
O relatório defende que “se, até ao final do ano passado, as relações de Portugal com a China eram essencialmente motivadas por preocupações económicas de curto e médio prazo, isso parece estar a mudar”, provavelmente devido à “pressão dos EUA”, a “uma mudança na opinião pública portuguesa” e a “preocupações crescentes sobre as verdadeiras intenções da China longo prazo”.