As famílias chinesas residentes em Portugal apostam cada vez mais na educação dos filhos para lá da escolaridade obrigatória. Apesar de, nalguns casos, poder existir um entrave linguístico, são dos alunos com melhor desempenho escolar face a outras comunidades imigrantes. Ni-Hao esteve à conversa com uma jovem que personifica a integração crescente desta comunidade.
Yang Jia Jia à procura de universidade…
Yang Jia Jia, 26 anos, conversa sobre o futuro, com os colegas do curso de Engenharia Mecânica, nas proximidades do Instituto Superior Técnico. Está a concluir o mestrado e já pensa no que será o tema de doutoramento. Impensável para Yang Jia Jia é parar de estudar!
Com os amigos discorre sobre o “graphere”, um material novo, ainda em desenvolvimento, uma estrutura de carbono, muito leve mas mais dura que o diamante”. Poderá justamente vir a ser este material, o tema da especialização académica de Yang Jia Jia. Resta-lhe descobrir onde. Está a pesquisar e ainda não encontrou nada. Apenas qualquer coisa em Munique. Irá, “se não encontrar nada aqui em Portugal…”
“A minha bisavó foi general no tempo da guerra civil, e por ser da oposição, a família foi toda mandada trabalhar para campo. A geração seguinte não conseguiu ir para a faculdade porque na altura havia um comunismo muito concentrado”, conta Yang jia Jia, para ilustrar porque é que a educação é tão importante para a sua família e para ela própria. “Quando terminar o mestrado vou trabalhar, mas na minha vida, quero mesmo é continuar a estudar” diz, convicta.
A mãe de Yang Jia Jia veio para Portugal em 1999 e estabeleceu-se num dos ramos mais frequentes dos migrantes desses anos, o comércio a retalho, a loja chinesa, como é conhecido o negócio. Yang Jia Jia nasceu na China, esteve de visita em pequena e está a viver em Portugal há 15 anos. A história do passado da família reforça a importância dada ao estudo. “A maioria das famílias da primeira geração vinham sobretudo das aldeias e não se preocupavam muito com a educação”, lembra a jovem.
Influência de Yang Jia Jia levou Micael à China
Os colegas de Yang Jia Jia, Sofia Carreira e Micael Coelho, tem ambos 23 anos. Micael natural de Gondomar, conheceu Yang Jia Jia no primeiro ano da faculdade. “Somos colegas de curso e de casa de estudantes, em Lisboa. Yang falou-me tanto da terra dela que fiquei interessado”, conta. Tão interessado que entre Fevereiro e Julho deste ano de 2019 – passado ano lectivo – esteve na China, num programa de intercâmbio do tipo do Erasmus. “Recebi uma bolsa de estudo completa, do Governo Chinês, para uma universidade muito grande. Para irmos de um lado ao outro, entre cantinas e residências que pareciam hotéis, demorávamos uns 45 minutos de bicicleta, que era como nos deslocávamos todos”.
A experiência foi grande, como tudo o que diz respeito à China. “O que me surpreendeu mais foi a indiferença deles, ou melhor, a capacidade de se manterem inalterados aconteça o que acontecer. Aquilo é um ambiente super confuso mas eles continuam a fazer a sua vida como se nada fosse.” Micael atribui esta característica a motivos históricos.
Mas por outro lado, como viajou muito, teve ocasião de perceber a curiosidade, sobretudo nas zonas mais rurais, onde um ocidental, como ele, despertava a curiosidade geral. “E eram eles os primeiros a meter conversa…e todos conheciam Portugal por causa do Cristiano Ronaldo”, recorda divertido, avançando com outras impressões. “Fiquei também com a impressão que a China é um país muito seguro. Pelo menos eu senti-me assim, em qualquer rua e nos becos mais estranhos”, concluiu, salvaguardando que, “ para alguns grupos étnicos não será…”
Micael veio também com a noção de que não era nada fácil entrar em grupos já formados.
A amizade com Yang Jia Jia foi uma surpresa. A ideia feita é a de que os chineses são pouco dados a relacionamentos com os portugueses. A descoberta é a de que, afinal, entendendo a língua, isso já não acontece. E talvez esta seja a explicação para o fechamento da comunidade chinesa em Portugal.
Mas o que Micael encontrou em Yang Jia Jia e que o levou à China foi o oposto a este fechamento. Yang Jia Jia tem, claro, os seus amigos de infância, chineses, mas relaciona-se abertamente em vários contextos, como o de estudante. A par do estilo de vida de jovem estudante, pronta e interessada para continuar a estudar numa grande universidade em qualquer país da Europa, Yang Jia Jia convive com a comunidade chinesa em Portugal e com o que pode ser considerado o seu fechadamento. “Amanhã vou ser madrinha num casamento. Para a festa foi reservado todo um hotel. E só vão chineses!” , conta. Em Albufeira, onde vivem os pais, vai à praia com as amigas portuguesas e aprecia o sol, embora a mãe lhe diga que a pele bronzeada não tem a mesma beleza. Sãos costumes e padrões que conhece mas já não partilha.
Sofia Gaspar, investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), tem publicado estudos sobre a integração dos descendentes de imigrantes e, nos últimos tempos , concentrado a sua atenção na comunidade chinesa. O caso de Yang Jia Jia enquadra-se num registo que tem vindo a ser confirmado e em que “a existência de uma certa alienação social face à sociedade portuguesa é compensada na comunidade chinesa por redes de sociabilidade fortes”. Mas por outro lado, a investigadora refere nos seus trabalhos, estudos feitos nos Estados Unidos e em Inglaterra, que apontam no sentido de que “os alunos de origem chinesa têm melhor desempenho escolar do que os de outras comunidades imigrantes”. “Ainda estamos a seguir algumas pistas para verificar em que se distinguem os jovens chineses no conjunto dos asiáticos”, precisou Teresa Seabra, a investigar também nesta área de cruzamento entre populações migrantes e percursos escolares.
No seu artigo “Percursos migratórios e trajectórias de vida de descendentes de imigrantes chineses” Sofia Gaspar menciona ainda a investigação de Sandra Mateus que registou no contexto português, “alguns discursos institucionais de educadores e professores que indicavam que o desempenho escolar e o rigor dos alunos chineses são superiores aos de outros alunos imigrantes.”
A altura da vida em que os filhos saem da China para se juntarem aos pais, afecta as motivações escolares, levando-os a optar por se manterem nos negócios de família ou a prosseguir para graus de ensino superior. O problema do domínio da segunda língua, evidencia-se também, nomeadamente na maior facilidade que revelam na aprendizagem de conteúdos complexos, como a matemática. Para além destes factores, os pais tem agora estratégias de grande investimento na educação dos filhos.
No caso de Yang Jia Jia , é manifesta esta conjugação de situações.