A comunidade chinesa residente em Portugal que viajou nas últimas semanas, está a fazer um isolamento voluntário de 14 dias para que a probabilidade de transporte do novo vírus COVID-19 seja nula. Porto, Coimbra e Lisboa são as cidades em isolamento e contam com mais de 75 pessoas neste momento.
O Ni Hao Portugal conversou com Aiting Xiang e Daniela Yin, duas colaboradoras da Rua da Palma – Centro de Serviço e Apoio à Comunidade Chinesa em Portugal – que decidiram dar a conhecer todos os esforços e precauções que os cidadãos chineses estão a ter em Portugal para que o surto não chegue ao país.
A Rua da Palma é uma das entidades que está a colaborar com a comunidade chinesa e são eles que tratam de parte da logística necessária para manter os cidadãos chineses em quarentena com todos os cuidados e atenções necessárias.
Nas últimas semanas, todos os cidadãos chineses que regressaram a Portugal estão a fazer um isolamento voluntário e a cumprir o seu período de quarentena por 14 dias. Muitos chegaram há pouco tempo da China onde celebraram o Ano Novo Chinês e, embora não tenham estado em Wuhuan, passaram noutras províncias chinesas onde já foram detectados casos de COVID-19
“As pessoas decidiram fazer este isolamento porque viajaram recentemente, muitas delas de Portugal para a China para celebrar o Ano Novo Chinês, mas não só. Com o surto do vírus, os cidadãos decidem fazer a quarentena porque têm medo de passar o vírus para as suas famílias, amigos e para a comunidade portuguesa”, explica Aiting Xiang.
Durante 14 dias, os cidadãos não saem à rua e tudo o que precisam é deixado às suas portas. Apesar de nunca terem acusado sintomas e de terem realizado todos os testes e análises pedidos, a decisão de fazer um isolamento voluntário foi unânime até ao momento. O objectivo? Não colocar ninguém em risco.
“Para aqueles que não têm casas próprias, a comunidade chinesa juntou-se e quem possui casas vazias estão a oferecê-las para alojar a cidadãos que querem fazer a quarentena, mas não têm condições para o fazer”. Em Lisboa, cinco casas foram disponibilizadas por empresários chineses para serem ocupados por esses cidadãos, sem quaisquer custos adicionais.
De acordo com Aiting Xiang, o maior obstáculo neste momento é garantir que todos os cidadãos chineses residentes no país tenham a possibilidade de fazer este isolamento. Além de Lisboa, Porto e Coimbra são outras cidades que tem cidadãos a fazer este isolamento. Ainda assim, “estamos empenhados em encontrar agora casas vazias no Porto e em Coimbra para que os cidadãos que lá residem não necessitem de vir para Lisboa”.
Para a chinesa que vive em Portugal há 10 anos, estas medidas são um dever cívico que a comunidade chinesa está a adoptar para com todos os cidadãos residentes no país. “A população chinesa está a fazer de tudo para que o COVID-19 não chegue a Portugal”.
Vários restaurantes chineses juntaram-se para ajudar esses cidadãos e três vezes ao dia, voluntários distribuem refeições aos cidadãos em quarentena. Juntam-se outros voluntários que uma vez ao dia vão até às casas para fazer um levantamento daquilo que os cidadãos precisam.
“Voltem para a vossa terra”
Recentemente foi divulgado um documentário que alerta para o estigma sentido pela comunidade chinesa. O vídeo “Amo Portugal Amo a China” foi produzido com o objectivo de dizer não ao preconceito e mostrar às pessoas que os cidadãos chineses estão a ser, injustamente discriminados, por causa do receio de contaminação por coronavírus.
“Eu decidi fazer esse vídeo para que pudéssemos demonstrar o que estamos a sentir a todos, não só os portugueses como a todos os cidadãos do mundo […] Toda a gente tem que dar força e acho que muitas pessoas esquecem que atrás dos números estão pessoas, com famílias, amigos, profissões”, revela Aiting Xinag.
Em Portugal, os casos de discriminação a chineses devido ao surto de COVID-19 raramente são noticiados, mas existem. “Aqui [Portugal] não sentimos uma discriminação física como noutros países, mas existe […] Exemplo disso, houve uma situação que não foi noticiada de uma loja de artigos chineses em Setúbal que durante a madrugada escreveram nos vidros “Voltem para vossa terra”. Isso é um ato de vandalismo e racismo e tanto quanto sei as autoridades não fizeram nada”.
Além desse caso, Aiting Xiang afirma que as crianças chinesas ou com fisionomia chinesa estão a sentir discriminação e que há crianças a serem maltratadas, desprezadas e marginalizadas pelos seus colegas.
“Neste momento há estudantes a sofrer de bullying, a serem postos de lado só porque são chineses. O pior é que muitos deles são tão portugueses como os demais, mas apenas têm uma fisionomia chinesa. Não é justo e não há qualquer motivo para as crianças estarem a sofrer de discriminação”.
Para prevenir, várias escolas do país pediram aos pais chineses que levassem os seus filhos ao médico para que passasse uma declaração médica a comprovar que o educando está no pleno estado de saúde, uma medida preventiva “boa e que permitirá a todos os que andam na escola não sentirem receio ou medo. Ainda assim a discriminação continua e todo o corpo docente tem que estar em alerta”.
Queda drástica no comércio e restauração.
Com o surto, as pessoas deixaram de ir às lojas e restaurantes típicos chineses e como consequência muitos colocam a hipótese de fechar portas. No Martim Moniz, a China Town Portuguesa localizada na baixa de Lisboa, “algumas lojas e restaurantes já encerraram e sabemos de outros que estão em vias de o fazer”
Além do comércio e restauração, o turismo também teve uma grande quebra de Dezembro até ao momento, prova disso é que o Departamento de Turismo que a Rua da Palma dispõe vai encerrar esta sexta-feira, 28 de Fevereiro. “Desde que o surto começou tivemos uma quebra a rondar os 100%, desde o início do surto todas as viagens foram canceladas e teremos mesmo que encerrar esse departamento”.
Na passada segunda-feira, 24 de Fevereiro, a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), em parceria com a Liga de Chineses em Portugal, anunciou a criação da Associação do Turismo Chinês, numa tentativa de minimizar os prejuízos decorrentes da propagação do COVID-19 em Portugal.
A associação trabalhará para que o sector receba mais turistas chineses após a epidemia e potenciar o aumento das viagens entre os dois países.
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“Nós temos muito medo de que o vírus chegue a Portugal e por isso estamos a fazer de tudo para que os cidadãos que cheguem ao país tomem as devidas precauções, mas eles não devem de ser os únicos, muitos outros cidadãos chegam a Portugal minuto a minuto e tem que ser também feito a eles um controlo”.
Daniela Yin aproveitou a ocasião para lamentar o sucedido em Itália na última semana – 12 vítimas mortais e 426 infectados até ao final da manhã de quinta-feira, 27 de Fevereiro – e referir que os casos suspeitos de COVID-19 em Portugal são de cidadãos que viajaram a partir de lá.
“Estamos numa fase em que já não se trata apenas de chineses, trata-se de todos os cidadãos que viajam. Pelo menos em Portugal, a comunidade portuguesa não tem que se preocupar com os chineses que cá residem, esses estão devidamente informados e cientes da situação e muitos já passaram pela quarentena. A meu ver temos que tomar medidas de controlo e prevenção de todos os cidadãos que diariamente chegam ao aeroporto”.