Realizaram-se ontem os Encontros de Estudos sobre a China, organizados pelo Centro de Investigação de Estudos de Sociologia (CIES). Este é já o segundo evento do CIES neste ano, depois de, em junho, ter organizado um evento sobre a Nova Rota da Seda.
Para este segundo encontro, Irene Rodrigues, professora de Arqueologia, foi a oradora convidada e abordou os fluxos migratórios na década de 70, “quando os chineses, provenientes de algumas regiões rurais, recuperaram as antigas correntes migratórias do século XIX”.
Na China, a migração que mais se verifica é a económica, na qual os emigrantes dedicam todo o seu tempo a trabalhar arduamente para ganhar o máximo de dinheiro possível, “não havendo tempo para socializar, nem para o lazer”.
Migração e Religião Popular Chinesa
Um dos principais focos de Irene Rodrigues foi cruzar a migração com as práticas religiosas populares chinesas.
Estas, são práticas que, embora sejam oficialmente reprovadas e criticadas por muitos, são muito utilizadas para a adivinhação, através da consulta de adivinhos, feita em templos religiosos.
Aos templos, “vão prestar culto e abençoar pequenos objetos para atrair boa sorte e proteção nos países que vão viver. Depois, voltam aos mesmos para contar sobre as fortunas alcançadas”.
Na Religião Popular Chinesa o mais importante não é a figura divina a quem estão a pedir, mas sim a eficácia que esta tem. “Se for necessário, e tal já aconteceu, os chineses podem ir a Nossa Senhora de Fátima fazer os seus cultos e pedidos, independentemente das suas religiões. O que realmente importa é que seja eficaz, independentemente do sítio e da religião que se pratique”.
Num contexto de grandes pressões para prosperar, os emigrantes chineses colocam nas suas casas e locais de trabalho imagens e objetos abençoados, na esperança de atingirem os seus desejos migratórios.
Na China, “as imagens e os objetos têm um caráter de felicidade e boa sorte invertida”. O principal objetivo é deixar a riqueza entrar, invertendo os objetos para que a riqueza não saia das suas vidas.
Um exemplo de objetos que são utilizados pelos chineses são os Maneki Neko – conhecidos em Portugal, como sendo os gatos que acenam. Todo o seu movimento serve para agarrar e puxar a riqueza para dentro das suas vidas. “É por isso que vemos muitos desses objetos a serem utilizados pelos comerciantes chineses”.
A Chegada dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008
No dia oito de agosto de 2008, cerca de mil pessoas, a maioria chinesas, juntaram-se em Lisboa, no Coliseu dos Recreios, para assistir a um espetáculo chamado A Chegada dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008.
Irene Rodrigues utilizou um momento específico deste para representar a migração e a religiosidade, através da Sociológica Chinesa. Uma das características desta sociológica é a sua difusão numa série de significados, associados à prosperidade, ao destino, à riqueza. A sociológica foi utilizada para representar “o elemento mais importante do espetáculo, um sorteio”, algo que já acabava por ser típico na época.
Para a grande maioria, o verdadeiro motivo que os levaram lá foram os 136 prémios, divididos em 35 categorias, oferecidos ao longo da noite. Os prémios mais desejados eram os que envolviam dinheiro. Para além desses serem os mais rentáveis e lucrativos, aliavam-se a um outro fator: “Os prémios em dinheiro acabavam sempre com o número oito – 288€, 588€, 888€ e o mais desejado prémio de diamante era o de 12008€”. Para além de ser o que suportava o valor mais auspicioso, aliava-se ao facto de ter sido oferecido por um homem bafejado pela sorte e fortuna, “após ter vencido um prémio milionário, equivalente ao euro milhões”.
Embora não sejam símbolo tradicional chinês, as olimpíadas traziam consigo uma série de significados relacionados com a riqueza, prosperidade e fortuna.
Para a comunidade chinesa em geral, o ano de 2008 continha muitas expectativas positivas, primeiro por ser o ano do rato e segundo pelo ano terminar no númro oito – número auspicioso e símbolo de prosperidade, muito utilizado em práticas divinatórias e tudo aquilo que é usado para atrair a riqueza.
Foi com essa simbologia que a organização decidiu colocar como símbolo dos Jogos Olímpicos o número oito. “Não é por acaso que os jogos olímpicos tiveram início às oito horas da noite, no dia oito de agosto [mês oito] e do ano que termina em oito”.
Os jogos olímpicos de 2008 foram um momento cosmológico único e, ainda hoje, “ouvem-se muitos comentários a dizer: eu estava lá na abertura, no Estádio de Pequim, às oito horas do dia e mês oito. Eu sou afortunado, sou uma pessoa cosmologicamente importante”.
Um jogo “bafejado ou não pela sorte”
A vida dos migrantes chineses está recheada de práticas imaginativas da procura de riqueza, prosperidade e sucesso. Apesar do trabalho árduo para alcançar esse modo de vida, há, porém, quem tente obter toda essa prosperidade através de um golpe de sorte, chamado jogos de casino.
Assim, a grande motivação para esses jogos, para além de escapar ao trabalho árduo, era ser uma forma de alcançar a riqueza de uma forma mais rápida e eficaz.
Na China, e ao contrário do que muitos pensam, o jogo pode ser interpretado por duas formas, por diversão ou aposta. Enquanto que o primeiro refere-se aos convívios entre amigos, que serve de estimulante social e cultural, e bem visto pelas comunidades, no segundo o mesmo já não se verifica. “A ideia de o chinês ir ao casino é mal vista, devido às muitas histórias dos que perdem fortunas e empregos nos casinos, pela maneira descontrolada com que jogam”.
Destino
A migração é entendida como uma forma de testar o destino e a sorte, com vista a alcançar a prosperidade. Embora hajam muitas formas de pensar e idealizar o futuro, na China “o destino não tem necessariamente que ser futurista”. Portanto, atrair coisas positivas é uma forma de tentar contornar o destino e “obter o fluxo positivo, que leva ao fluxo da riqueza, prosperidade e fortuna”.
O destino é quem acaba por estabelecer as diferenças de riqueza e de sucesso entre as pessoas. Numa migração, todos trabalham arduamente para alcançar os seus objetivos, mas nem todos enriquecem.
Ao mesmo tempo, todas as oportunidades cosmológicas que os migrantes ambicionam são possíveis para conseguirem alterar os seus destinos. “Esta oportunidade pode ser única na vida de uma pessoa e pode até nunca chegar à vida destas”.
Embora a situação económica possa estar no topo das razões da migração, ela não se encontra sozinha. Uma parte dos migrantes pertencem a classes sociais médias-altas e só emigram porque são alimentados pelo pensamento “se aquela pessoa foi e conseguiu prosperar, então eu também vou conseguir”.
Ainda que o CIES apenas organize duas actividades anuais relativas à China, no final da conferência, Sofia Gaspar, uma das organizadoras, anunciou que, pela primeira vez, o CIES terá um terceiro evento num ano. 20 de novembro foi a data indicada para o mesmo, embora ainda não esteja totalmente confirmada.