Portugal devia considerar pedir formalmente ajuda à China tal como Itália o fez

Opinião de Fernanda Ilhéu, presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda.

A forma como a China reagiu a um novo coronavírus que começou por ser baptizado por SARS-Cov 2, está em linha com a forma como o governo chinês e a população chinesa encaram a sua vida em comunidade e as suas prioridades em função da sua matriz cultural e explicam parte das causas do problema e das soluções rapidamente postas em prática. A Organização Mundial de Saúde rebaptizou posteriormente este vírus e passou a chamar-lhe COVID-19.  

O problema só foi considerado importante quando chegou ao governo central, quase um mês depois de ter sido identificado em 1 Dezembro 2019 em Wuhan. Uma das explicações justificadas é a falta de coordenação entre os diferentes níveis administrativos – o municipal, o provincial e o nacional. 

Outra possível explicação recorrentemente apresentada, foi o receio das autoridades municipais e provinciais das reacções políticas negativas de Pequim, mas penso que a matriz cultural chinesa também jogou no sentido de justificar a ocultação do que se estava a passar. Estou a falar do medo de perder a face, de transmitir algo desagradável, de não querer transmitir qualquer situação que se considere negativa. Experienciei este tipo de comportamento muitas vezes em Macau, num contexto político muito diferente do vivido na República Popular da China (RPC), mas com substrato cultural muito semelhante e ainda recentemente vi em Lisboa um magnifico filme chinês “A Despedida” que ilustra muito bem esta tipologia comportamental.

Logo que o problema foi do conhecimento do governo central, imediatamente se mobilizou toda a população como se de uma guerra se tratasse, havia que sobreviver, salvar a grande nação chinesa e todos fizeram o seu melhor de acordo com a sua função e o seu estatuto.  

O Presidente da China, Xi Jinping, declarou a sua determinação de provar que a China – uma civilização-estado soberano – é capaz de vencer uma “People´s War” científica contra uma doença que já infectou mais de 80 000 pessoas e matou mais de 3 000 no país asiático. Jinping assumiu de imediato o comando do Grupo de Liderança dos Trabalhos de Contacto à Epidemia do Comité Central do Partido Comunista Chinês, e, com uma mobilização por toda a China, foi estabelecido rapidamente um Sistema de Task-Force Interagencial contra a Epidemia – coordenação total entre os serviços de saúde, de segurança, militar, de limpeza, de apoio económico e social. 

Toda a gente seguiu as instruções decretadas pelo governo. Na China a autoridade exerce-se alicerçada pela filosofia confuciana, que estabelece cinco relacionamentos principais com vista à criação de uma sociedade harmónica – soberano e ministro, pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho irmão mais novo e relacionamento de amigos – com excepção desta última relação todas são estritamente hierárquicas e de subordinação. O governado deve lealdade e obediência ao governante, o filho ao pai, a mulher ao marido e o irmão mais novo ao irmão mais velho.

De referir também que quem não cumpre o estabelecido é punido pelas autoridades com o aplauso do resto da população porque a matriz cultural chinesa coloca o interesse colectivo acima do individual e não aceita que uma pessoa prejudique com o seu comportamento ao seu grupo ou o resto da população. 

Outro aspecto cultural adicional transmitido pelas famílias chinesas aos seus netos e filhos é a preocupação e respeito pelos outros, o cuidar dos outros. Exemplo disso é como a população chinesa residente em Portugal se colocou voluntariamente em quarentena nas suas habitações, após regressarem de férias de Ano Novo Chinês na China. 

Um aspecto muito importante na abordagem do combate à pandemia é a percepção correta das autoridades chinesas de que não se podia, numa primeira fase, simultaneamente salvar vidas e suportar a actividade económica. Era necessário escolher uma ou outra, e o governo escolheu como seria de esperar as pessoas primeiro, mesmo que isso custasse descer 1 ou 2% do PIB, mesmo que isso fosse um retrocesso na economia chinesa. 

O governo não se preocupou em dizer quanto esta epidemia custou e vai continuar a custar, mas sim em como resolver o problema tratando dos que estavam infectados e tentando evitar que a infecção se espalhasse a outros locais. Para grande admiração de todos nós, em 10 dias foram construídos dois hospitais, e enviados cerca de 42.000 profissionais de saúde para a cidade de Wuhan, na Província de Hubei onde o foco epidémico se desenvolveu inicialmente. 

A China não teve dúvidas em colocar de quarentena uma província inteira com 60 milhões de pessoas assim como outras medidas draconianas.

Outro aspecto que surpreendeu o mundo foi a forma transparente e expedita como esta situação foi comunicada à comunidade científica internacional, através de um comunicado do Comité de Saúde Municipal da cidade de Wuhan à Organização Mundial de Saúde a 31 de Dezembro 2019. 

A 11 de Janeiro deste ano, registou-se a primeira na China devido a este vírus e logo de seguida cientistas da Universidade de Fudan em Shanghai e do Instituto de Virologia em Wuhan publicaram no Nature International Weekly Journal um trabalho em que concluíram que o genoma tinha 80% das sequências em comum com o SARS e 96% com o corona vírus do morcego, que poderia estar na origem da sua transmissão ao homem via pangolim.  

De facto, a 7 de Fevereiro 2020, dois investigadores da Universidade Agrícola do Sul da China em Guangzhou comunicaram que o vírus apresentava 99% de semelhança com um vírus que circulava nos pangolins, e que poderá ter tido origem no morcego. Para quem não sabe, o pangolim é um animal selvagem muito apreciado na gastronomia chinesa nomeadamente no inverno.  

Esta conclusão é reforçada 13 dias depois com a publicação de uma nota do editor do Nature Journal que apontava para a possibilidade do vírus ter sido transmitido pelos animais, uma vez que não existiam evidências científicas que provassem como o surto chegou a aventar-se. 

Se o sistema político-administrativo da China mostrou bloqueamentos perigosos numa emergência deste tipo, a liderança e determinação do governo chinês aliada à matriz cultural comportamental da população chinesa e à rapidez e eficácia dos cientistas chineses permitiriam controlar a epidemia num tempo record, aproximadamente dois meses desde o momento em que Pequim teve dela conhecimento.

Para mim, o mais extraordinário foi a dedicação e capacidade desses cientistas e de todo o pessoal das equipas de saúde médica envolvidas, para além do voluntariado missionário de grande parte da população.

Quem lida com a China há muitos anos, como é o meu caso, não deveria estranhar esta resposta colectiva, mas foi com muita admiração que registei mais uma vez a forma extraordinária como a população chinesa se consegue sempre superar.

Mais uma vez a China reagiu e segue já em frente. Do centro da epidemia COVID -19 e de uma ameaça para o mundo, a China está a transformar-se num exemplo mundial de como controlar uma crise destas e aparece como um grande apoio para Itália que, não obtendo ajudas da União Europeia, solicitou à República Popular da China que lhe enviassem de imediato ajuda de Shangai. E assim aconteceu e no final da semana passada, aterrou em Itália um avião proveniente de Shangai com equipas médicas e cerca de 31 toneladas de medicamentos, incluindo ventiladores. 

Deixo ao governo português a sugestão de solicitar formalmente ajuda aos governos da China e da Região Administrativa Especial de Macau, para obter máscaras, ventiladores e equipas médicas com experiência em travar esta epidemia, decerto que a ajuda rapidamente seria enviada como foi para Itália ou outro país também amigos da China.

Opinião
Fernanda Ilhéu, presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda

 

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