“China aproveitou para lançar as bases de relacionamento externo estratégico”

Fernanda Ilhéu: "China assinou 2 importantes acordos internacionais, um de comércio e outro de investimento"

Publicamos a 2ª parte de um texto de Fernanda Ilhéu,  Professora no IDEFE / ISEG / Universidade de Lisboa e Presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda que considera que a China cimenta a sua relação com a Ásia e com a Europa e prepara um novo paradigma de desenvolvimento.

 

Fernanda Ilhéu: “China aproveitou para lançar as bases de relacionamento externo estratégico”

 

Com efeito no fim de 2020 e início 2021, a China assinou 2 importantes acordos internacionais, um de comércio e outro de investimento,

O controlo da pandemia e os estímulos introduzidos à economia provocaram como não pode deixar de ser um elevado aumento na dívida e o governo chinês deverá agora progressivamente começar a retirar esses estímulos. Mas as bases estão lançadas para a China seguir em frente.

Num ano em que vimos o caos em termos de saúde em muitos países com os correlacionados problemas económicos, levando a uma recessão global e a crescentes movimentos de protecionismo e unilateralismo, ancorados numa distribuição da riqueza cada vez mais desigual, entre países e dentro dos países, colocando grandes desafios à globalização económica, a China aproveitou para lançar as bases de relacionamento externo estratégico nomeadamente com os seus vizinhos da Ásia e com a Europa e lançar um novo paradigma de desenvolvimento. 

Com efeito no fim de 2020 e início 2021, a China assinou 2 importantes acordos internacionais, um de comércio e outro de investimento, respetivamente o Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP) e o EU – China Comprehensive Agreement on Invesmente (CAI) e começa 2021 com o seu 14º Plano Quinquenal pronto para ser discutido e aprovado em março.

O RCEP foi assinado entre a China, os 10 Países da ASEAN e o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e Nova Zelândia a 15 de novembro 2020, no 37º Asian Summit organizado pelo Vietname. 

Este acordo levou 8 anos a ser negociado e é o maior acordo de comércio livre alguma vez assinado, maior que a UE e que a NAFTA, integra 2200 milhões de pessoas, 30% do PIB mundial e 28% do comércio global.

Unifica os acordos bilaterais de comércio já existentes, promove o comércio regional e a integração de  cadeias de valor e reduz custos de exportação, eliminando muitas tarifas, espera-se que nos próximos 20 anos sejam eliminadas 92% das tarifas aplicadas na movimentação de mercadorias entre estes países, muitos produtos vão necessitar de apenas 40% de incorporação na região para usufruírem do acordo e, entre estes países vão existir regras comuns de comércio, e-comércio e propriedade intelectual, e o acordo prevê também uma simplificação de processos alfandegários nas transações em vários setores de serviços. 

O jornal Global Times de 14 novembro 2020 afirmava; “O Acordo de Parceria Económica Abrangente Global vai acabar com a hegemonia dos EUA no Pacífico Ocidental”…“O RCEP envia a mensagem de que os países asiáticos não querem escolher um lado, entre os EUA e a China”…”não estão dispostos a seguir cegamente os EUA e a excluir a China, a maior e mais vibrante economia asiática, do processo de integração da região”.

A China e a União Europeia chegaram em 30 de dezembro de 2020, durante uma videoconferência entre Xi Jinping, Ursula von Leyen, Charles Michel, Angela Merkel, e Emmanuel Macron, um acordo de princípio sobre as regras de investimento recíproco finalizando negociações que levaram 7 anos.

Quando falamos de investimento recíproco estamos a falar de valores muito consideráveis, com efeito desde 2000 o investimento acumulado da UE na China excluindo o Reino Unido foi de US$181 biliões (nomenclatura americana) e da China nesses países é de US$138 biliões. 

Cerca de 50% dos investimentos da UE na China  concentram-se na indústria, 28% no setor automóvel e 22% nos materiais básicos, mas com este acordo a China compromete-se a permitir os investimentos de empresas da UE no setor de serviços tais como serviços na nuvem, financeiros, saúde privada, ambiente, transporte internacional marítimo e  serviços relacionados com o transporte aéreo, computadores, construção e um acesso limitado na agricultura, pescas, setor mineiro e energia. 

Em contrapartida a UE mantem aberto o mercado europeu à China em setores como o energético renovável, agricultura, pescas, audiovisual, serviços de utilidade pública e a modelos de negócio chineses. Este acordo deverá incentivar o investimento das empresas europeias na China para dinamizar a economia e o desenvolvimento tecnológico da China. 

Em contraste com outros acordos assinados com a China, o acordo entra em compromissos de sustentabilidade relacional, nomeadamente normalizando situações de princípios de transparência e participação da sociedade civil.

A China aceitou compromissos nas áreas de padrões de trabalho e ambiente e a não usar standards que resultam em protecionismo, o acordo entra também em compromissos na área do Acordo de Paris e a China compromete-se a trabalhar no sentido de ratificar as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, ao nível empresarial a China compromete-se a eliminar restrições quantitativas, as exigências de transferência de tecnologia, de limitações de capital e da exigência de realizações de Joint-Ventures em certos setores de atividade.

 

Fernanda Ilhéu,  Professora no IDEFE / ISEG / Universidade de Lisboa e Presidente da Associação Amigos da Nova Rota da Seda

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