Um olhar atento sobre a Medicina Tradicional Chinesa

Opinião de João Encarnação, Profissional de Medicina Tradicional Chinesa. 

A Medicina Tradicional Chinesa é, como o próprio nome indica, um sistema médico originário da China que vê o ser humano como uma parte integrante da natureza, reflectindo internamente os fenómenos externos do ambiente que o rodeia, sendo dotado de características que espelham as quatro estações, os ciclos diários do nascer e pôr-do-sol, e regido pelo Yin e o Yang, a dualidade tão presente em toda a cultura chinesa. 

O ser humano é dotado de uma componente física, uma energética e uma espiritual que requerem um equilíbrio constante para uma saúde plena e por isso a doença é vista não só como um ataque externo mas também como todo um processo que começa com um organismo desequilibrado que permite a entrada dessa doença (se infecciosa) ou permite a produção da doença no interior do corpo (por exemplo na doença crónica ou na doença mental).

O tratado mais antigo de Medicina Tradicional Chinesa a chegar aos dias de hoje parece ser o Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, supostamente escrito entre o século IV a.c. e o século II a.c., embora alguns historiadores defendam que o livro terá sido alvo de várias reedições e que o texto original poderá ser ainda mais antigo. 

No entanto esta prática com milhares de anos de desenvolvimento é uma medicina que veio a crescer ao longo dos séculos e que ainda hoje desenvolve novas técnicas e tratamentos como a adição de electroestimulação na acupunctura, uso de novas plantas na Fitoterapia Chinesa, algumas delas ocidentais e até a aplicação de tratamentos inovadores quando combinada com a Medicina Convencional.

A Medicina Tradicional Chinesa combina em si um conjunto de várias técnicas terapêuticas, cada uma com as suas aplicações em saúde, como: a Acupunctura e Moxabustão, o uso de agulhas e calor em pontos específicos do corpo para tratar doenças e distúrbios físicos e mentais. 

A Fitoterapia Chinesa, medicação natural que faz uso de fórmulas constituídas por várias substâncias de origem vegetal, mineral e animal (embora que em Portugal o uso de substâncias de origem animal é muito reduzido, devido a leis de protecção dos animais, sendo que a única usada é a concha de ostra). A Tuina, uma forma de fisioterapia chinesa que usa técnicas de massagem e mobilização articular para tratar várias doenças a nível musculo-esquelético assim como doenças psico-emocionais. 

A Dietética Chinesa que utiliza os alimentos como medicamento. E por fim o Qigong (mais conhecido como Chikung) uma terapêutica baseada na execução de movimentos simples coordenados com respiração consciente como forma de auto-terapêutica de tratamento e prevenção de doenças.

No que respeita à Acupunctura e Moxabustão, a Organização Mundial de Saúde, após um estudo de revisão de 296 estudos publicados, concluiu que têm “eficácia comprovada” em 28 doenças entre elas a depressão, cefaleias (dor de cabeça), dor ciática e dor de joelho, hipertensão e hipotensão, odontalgia, dismenorreia e reacções adversas a tratamentos de quimioterapia e radioterapia. 

Concluiu também que tem “eficácia demonstrada” noutras 63 patologias que incluem várias doenças psiquiátricas como a esquizofrenia e a síndrome de Tourette, a infertilidade e a disfunção sexual, as diabetes e a obesidade, a insónia, dores do parto e indução do parto, dependência de opiáceos e outras drogas e doenças autoimunes. Além disso, quando aplicada juntamente com a Tuina tem grande eficácia na dor aguda e crónica. Tudo isto com a vantagem acrescida de apresentar efeitos secundários muito escassos e leves.

Quanto ao Qigong, é possível encontrar vários estudos que demonstram os efeitos que tem tanto a nível da mobilidade nos idosos, reduzindo a tendência para quedas e reduzindo os tremores originados pela doença de Parkinson, como no reforço do sistema imunitário, havendo nomeadamente estudos a demonstrar um aumento da contagem de células imunitárias em doentes oncológicos.

Em relação à Fitoterapia Chinesa, esta tem vindo também a ganhar terreno no ocidente, mostrando a sua força como medicação complementar natural nos tratamentos de várias patologias como, distúrbios digestivos, distúrbios de sono, ansiedade, depressão, obesidade, astenia crónica, cefaleia, fibromialgia, entre muitas outras. Sendo que, em 2015 esta proporcionou um prémio Nobel de Medicina à Dra. Tu Youyou, pelo estudo da artemisinina, um composto extraído da planta Artemisia Annua, amplamente utilizada na Fitoterapia Chinesa e como suporte primário para a Moxabustão, como tratamento da malária.

A Fitoterapia Chinesa teve também um papel fundamental no combate ao SARS-Cov-2 na cidade de Wuhan, onde na ausência de fármacos conhecidos para o tratamento da Covid-19, foram usadas fórmulas fitoterápicas a fim de combater os sintomas iniciais da doença e de prevenir sintomas graves, tendo 90% dos casos recuperados em Wuhan sido tratados com Fitoterapia Chinesa juntamente com a Medicina convencional.

Na China, desde o regime de Mao Ze Dong, esta prática está incluída no sistema nacional de saúde, com tratamentos integrados com a Medicina Convencional a demonstrar óptimos resultados em várias áreas como a dor, a paralisia ou a intervenção no Cancro, onde é usada não para tratar o cancro, mas para mitigar sintomatologia e efeitos secundários dos tratamentos de quimioterapia e radioterapia.

Em Portugal a integração da Medicina Tradicional Chinesa tem dado largos passos desde os últimos 17 anos. Com a publicação das leis 45/2003 e 71/2013 a Medicina Tradicional Chinesa passou a ser reconhecida em Portugal como uma profissão de saúde seguindo directrizes rígidas a nível de formação e dos locais de prática.  Sendo que, a fim de garantir maior qualidade e segurança aos utentes, apenas quem tem uma cédula profissional pode tratar com Medicina Tradicional Chinesa. Desde então que se prepara a entrada da Medicina Tradicional Chinesa no ensino superior, podendo neste momento encontrar licenciaturas em Acupunctura em várias instituições de ensino superior portuguesas.

 

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