Em termos globais, a China é um dos mercados com maior potencial; em termos de produção económica, é o principal “motor” da economia mundial, com uma economia com uma fortíssima base industrial virada para a exportação, com um crescimento elevado, sustentado e contínuo; em termos de comércio internacional, a China é hoje um mercado incontornável, sendo globalmente o 1.º país exportador e o 2.º importador; enquanto mercado, é hoje o principal ou um dos principais importadores de muitos produtos, desde matérias primas até componentes do processo industrial, bens de capital, tecnologia ou serviços.
Mesmo em termos de turismo, a China cresce significativamente enquanto país emissor de turistas; em 2030, o número de turistas chineses viajando para países estrangeiros deverá atingir os 259 milhões, tornando-se o maior mercado emitente (fonte: Euromonitor International). Abordaremos este potencial em artigo específico.
É também um dos principais protagonistas internacionais no que tange aos fluxos de investimento direto estrangeiro mas sobre isso debruçar-nos-emos também noutro artigo.
Nos tempos mais recentes, no que tange às trocas comerciais entre a China e Portugal, não obstante um aumento desde 2011, os valores ainda são baixos.
Em 2019 o valor das exportações de bens e serviços de Portugal para a China foi de 602,8 M€ em bens e 356,5 M€ em serviços; o valor das importações por Portugal de bens e serviços provenientes da China foi de 2.952,8 M€ em bens e 426 M€ em serviços (fonte: INE & Pordata).
Em 2017, apesar de a China ter sido o principal fornecedor Extra-UE de bens a Portugal (6.º na globalidade dos países), isso correspondia apenas a 3% das importações portuguesas e a 0,15% das exportações chinesas.
Inversamente, a relevância das exportações de bens portugueses para a China é muito diminuta; em 2016 Portugal foi o 56º cliente da China, com uma quota de 0,19%, e o 66º fornecedor das importações chinesas, com um valor percentual de 0,1% (fonte: AICEP).
É importante ter presente que o mercado português será sempre um pequeno mercado para a generalidade das empresas chinesas enquanto o mercado chinês será sempre um grande mercado com enorme potencial para as empresas portuguesas. E é por isso que vale a pena explorar este potencial.
Todavia, os valores das trocas comerciais entre os dois países são baixos, pelo que há muito espaço para incrementar essas relações. Em bom rigor, é necessário um novo impulso nas relações comerciais entre Portugal e a China. Vamos abordar de seguida o que pode ser feito para criar esse novo impulso nas relações comerciais entre os dois países.
Vamos proceder a uma abordagem comparativa relativamente às duas formas possíveis de exportar para a China: (i) de forma “tradicional”; e (ii) através de marketplaces online.
A abordagem tradicional, i.e., a exportação “normal” de bens ou serviços não decorrentes de venda em plataformas de vendas ou marketplaces online.
Primeiro, é importante começar pela perceção da China como mercado. Um dos maiores erros é percecionar a China como um mercado único; há várias segmentações e mercados nesse enorme país-continente.
O critério mais útil é olhar para o mercado urbano
A China Urbana compreende em 2020 875 milhões de pessoas (c. 61% da população total) com uma crescente taxa de concentração urbana (em 2000 apenas 35,7% da população vivia em cidades; até 2030 deverá atingir os 1000 milhões de pessoas).
Embora haja processos diversos de penetração no mercado chinês, o mais pragmático é encarar a China como vários mercados com uma enorme dimensão – o que levanta problemas de escala à larga maioria das empresas portuguesas – com distribuidores e clientes a nível regional.
Que nível regional considerar? Exceção feita às vendas em marketplaces online (que abordaremos de seguida), propomos que se pondere a entrada no mercado chinês tendo como foco as 3 principais áreas mega-metropolitanas ou megalópolis (em inglês “supercity clusters”, em chinês 城市群):
- a Área da Grande Baía do Delta do Rio das Pérolas (PRD / GBA) compreendendo 9 cidades + 2 RAEs em torno do triângulo Macau-Hong Kong/Shenzhen-Guangzhou, com (dados de 2018): uma área total de c. 56 000 km2, uma população de 70 milhões de habitantes, um PIB global de US$ 1,6 biliões e um PIB per capita de US$ 23.000;
- a Área do Delta do Yangtzé (YRD) uma zona gigantesca correspondendo à zona mega-metropolitana de Xangai e 26 cidades vizinhas – essencialmente nas províncias de Zhejiang e de Jiangsu (Ningbo, Hangzhou, Nanjing, Wuxi, Suzhou e outras) – com (dados de 2018): uma área total de c. 219 000 km2, uma população de 128 milhões de habitantes, um PIB global de US$ 2,6 biliões e um PIB per capita de US$ 20.000;
- a Área de Beijing-Tianjin-Hebei (Jing-Jin-Ji) compreendendo 11 cidades – Beijing, Tianjin e 9 cidades da província de Hebei –, com (dados de 2018): uma área total de c. 217 000 km2, uma população de 112 milhões de habitantes, um PIB global de US$ 1,3 biliões e um PIB per capita de US$ 11.000.
Sem prejuízo de se aproveitarem outras oportunidades, nomeadamente noutras megalópolis (há 19), é nestas três acima referidas – GBA, YRD, Jing-Jin-Ji – que existem, presentemente e no devir próximo, melhores condições para empresas portuguesas fazerem negócio. Em qualquer caso, raras serão as empresas portuguesas que terão escala para cobrir todas estas 3 megalópolis.
Outra oportunidade de entrada na China são as zonas francas (FTZs), que apresentam um ambiente de negócios mais liberalizado e articulado do que em outras partes do país (funcionam numa lógica de “one-stop shop” quanto às entidades públicas que intervêm no processo de entrada de mercadorias na China), em especial quando articuladas com as megalópolis referidas; a GBA tem as FTZs de Guangdong, o YRD tem as FTZ de Xangai e Zhejiang, Jing-Jin-Ji tem a FTZ de Tianjin.
Dito isto, cada caso é um caso e todas as oportunidades devem ser aproveitadas. Por exemplo, uma das principais cervejeiras portuguesas encontrou um distribuidor com boa rede na província de Fujian. Utilizou-o e teve sucesso. Daí passou para a província de Zhejiang. Onde também está a vender bem. Outro exemplo interessante são empresas portuguesas do agro-alimentar que estão a vender numa rede de supermercados na China que só vende produtos estrangeiros. Esta rede ainda é pequena mas está em crescimento. É um bom exemplo de aproveitamento de um mecanismo com potencial.
Uma das razões para a criação recentemente de uma Câmara de Comércio Portugal-China para PMEs é precisamente para apoiar a larga maioria das empresas portuguesas sobre como ter acesso ao mercado chinês e ao potencial do mesmo. É importante trabalhar articuladamente com as associações empresariais setoriais e os respetivos clusters para o efeito.
Contudo, no método de vendas “tradicional” alguns dos custos são altos e o mercado chinês ainda é território desconhecido para a larga maioria das empresas portuguesas, em especial para as PMEs.
Os marketplaces online
A China encontra-se longe da zona de conforto das operações internacionais da larga maioria das empresas portuguesas, a barreira linguística também atemoriza e muitas empresas acham que não terão escala para esse mercado.
E, sendo estes fatores relevantes, a verdade é que o mercado chinês está hoje alcançável graças ao extraordinário desenvolvimento das transações nos marketplaces online na China.
O mercado de comércio eletrónico da China é o maior do mundo, com um volume de US$ 1,94 biliões em 2019.
Isso representa um incremento de 27% relativamente ao ano anterior e um quarto do volume total de vendas a retalho da China. Como tal, o setor de comércio eletrónico da China é mais de três vezes o tamanho do mercado dos EUA, que ocupa o segundo lugar.
Apesar do surto de Covid-19, esses números devem crescer em 2020 (fonte: Tenba Group); estima-se que a receita mostre uma taxa de crescimento anual (CAGR 2020-2024) de 8,6%.
A penetração entre usuários da internet estima-se que seja de 64,0% em 2020, devendo atingir 79,2% até 2024; a despesa média por usuário (ARPU) deverá chegar a US$ 1.141,34 (fonte: Statista.com).
Ao contrário dos EUA, onde o comércio eletrónico é principalmente um complemento às lojas físicas, que permitem que os clientes comprem mercadorias sem sair de casa, na China a maioria dos fabricantes e vendedores vendem mercadorias on-line em todo o país sem um único estabelecimento / loja física.
Isso permitiu que o comércio eletrónico na China aumentasse em popularidade, uma vez que a venda online é a maneira mais barata e fácil de as pequenas empresas alcançarem um mercado mais substancial.
E por estas razões o mercado chinês de vendas online tem um fantástico potencial para as empresas portuguesas, incluindo as PMEs. Este potencial está identificado há muito tempo mas não se encontrou ainda forma de o concretizar.
Houve tentativas de abrir páginas de país, e outras, no Taobao.com (para C2C, do grupo Alibaba). E também houve tentativas abrir uma loja e um flagship store no Tmall.com (para B2C, também do grupo Alibaba).
Mas a primeira iniciativa que conhecemos que deverá chegar a bom porto em termos de abertura de um marketplace numa relevante plataforma de vendas online chinesa é a abertura de uma página da MercaChefe (do grupo Buyin.pt) para venda de produtos agro-alimentares e vinhos portugueses – e, em breve, do Brazil e de outros países de língua portuguesa – na JD.com.
A JD.com é um marketplace B2C com entrega e logística internas, que tem cerca de 18% do mercado de vendas online na China, e que formou uma parceria estratégica com a Tencent para enfrentar os marketplaces do grupo Alibaba (por cujas plataformas são processados 55% das transações de e-commerce na China).
A MercaChefe trata do transporte marítimo ou aéreo, dos seguros, da parte legal, da rotulagem.
A empresa vendedora só tem que decidir se quer manter o stock para venda em Portugal ou se coloca na China esse stock para venda na JD.com (a JD.com é uma dos poucos marketplaces online que oferece essa flexibilidade).
A distribuição e entrega do produto vendido é tratado pela MercaChefe e pela JD.com. A comissão de vendas cobrada é assaz modesta para a entrada num mercado com o potencial da China.
Há muitas outras plataformas / marketplaces online interessantes, especialmente para nichos de mercado ou em articulação com redes sociais:
– a Kaola by NetEase, um dos principais operadores de comércio eletrónico transfronteiriço oferecendo uma grande variedade de produtos, com foco na venda de produtos “ocidentais” de alta qualidade a clientes chineses de classe média; a Kaola by NetEase foi comprada pelo grupo Alibaba em Setembro de 2019, com intenção de fundi-la com o TMall; mas permanece operando autonomamente e com a sua marca;
– a Pinduoduo (拼 多多), uma plataforma de comércio eletrónico que permite aos usuários participar de transações de compra em grupo (cotada no NASDAQ três anos após a sua criação);
– a Yunji Inc (云集), outra marca de comércio eletrónico social (também cotada no NASDAQ) que fornece serviços de comércio eletrónico relativamente a produtos de consumo on-line, como beleza, cuidados pessoais, itens digitais, brinquedos e outros produtos relacionados;
– o Xiao Hong Shu (小红书, literalmente “Pequeno Livro Vermelho”, também conhecido por RED) é uma plataforma em que os usuários compartilham fotos e vídeos curtos sobre moda, beleza, comida, viagens e muito mais nesta plataforma de partilha de estilo de vida dos jovens.
Na RED e em várias outras plataformas / marketplaces online existe esta simbiose entre informações relacionadas com as compras dos seus usuários e os links para os sites de venda desses produtos, criando um híbrido de media social e comércio eletrónico; embora a empresa se descreva como uma plataforma social orientada pelo conteúdo, o lado do comércio flui perfeitamente do lado social.
Dependendo dos produtos em causa, pode também valer a pena ponderar a colocação dos mesmos à venda em marketplaces online pequenos, geridos por entidades das megalópolis chinesas – p.ex., pertencentes às entidades gestoras de FTZs – sobretudo quando possam ser facilmente integrados com operações de venda tradicionais. Um exemplo seria colocar um conjunto de produtos agro-alimentares à venda no marketplace online da entidade gerindo o FTZ de Tianjin, que opera simultaneamente uma pequena rede de 15 supermercados em Tianjin; a criação de espaços de armazenamento de produtos na FTZ de Tianjin permite também proceder à distribuição regional em Jing-Jin-Ji através de uma vasta rede de pequenos distribuidores operando a partir da FTZ.
Mas o mais importante é uma empresa saber o que quer fazer. A maior parte das empresas situar-se-á no segmento B2C. Mas algumas poderão estar vocacionadas apenas ou preferencialmente para o segmento de B2B.
O cada vez maior recurso a marketplaces online como forma preferencial de venda de produtos gerou a necessidade de criação de mecanismos, máxime incentivos, para a internacionalização digital. O Governo Português está sensibilizado para o efeito e as agências e organismos do Estado deverão criar mecanismos e regimes de incentivos que apoiem as empresas nesta grande oportunidade. Dada a realidade da economia mundial nesta fase da pandemia e no pós-Covid é essencial que tais incentivos sejam criados rapidamente e de forma realista.
A generalidade das empresas portuguesas já percebeu que é essencial considerar a colocação de produtos em marketplaces online B2C. E neste domínio é importante ter uma abordagem profissional baseada na eficiência e no profissionalismo. Com exceção de algumas, poucas, empresas portuguesas que têm capacidade para criar as suas flagship stores em marketplaces online, é estultícia pensar que a maioria delas vai conseguir, por si só, fazê-lo num dos principais marketplaces online da China. Infelizmente, isso não sucede nem mesmo em marketplaces online perto de nós – p. ex., na amazon.es… Pelo que a solução de bom senso é procederem ao outsourcing dessa vertente.